Um jazigo no Cemitério Ana Rosa de Paula, em Jaú, interior de São Paulo, tem um habitante com uma história inusitada no município com pouco mais de 125 mil habitantes.
Ao contrário dos outros 80 mil enterrados em mais de dez mil sepulturas, o pedreiro e armador de ferragens Nelson Alves, 58 anos, está vivo e, há cerca de seis meses, mora dentro do túmulo da família, junto com o pai, a mãe e uma irmã já falecidos.

Alves não sabe o dia exato em que teve a idéia de trocar o banco de uma praça da cidade por uma das cinco gavetas vazias da sepultura. "A minha irmã morreu há alguns meses e, desde então, passei a morar na rua. Como na praça só tinha gente usando droga e eu não sou disso resolvi vir morar no cemitério porque isso aqui me pertence", diz o pedreiro que também abandonou a profissão e aguarda a aposentadoria.

O jazigo tem oito espaços para comportar os mortos da Família Alves. No lado direito estão enterrados, de baixo para cima: sua mãe, seu pai e a irmã. "Eu durmo aqui em cima da minha irmã", brinca Alves, que tem apenas um irmão vivo e morando no asilo municipal. "Se ele morrer antes que eu, vai ficar na parte de baixo do túmulo porque esse espaço aqui (a última gaveta do lado direito da sepultura) é meu."

Admitindo problemas com a bebida, Alves afirma tomar várias doses de pinga ao dia. E a cachaça foi uma das responsáveis pelo fim do casamento há quase 30 anos. "Eu tive dois filhos que não vejo faz tempo. A menina pelo que eu sei virou advogada, mas nunca mais vi ninguém deles ou qualquer outro parente. Como não tenho ninguém fico aqui mesmo com meus pais e minha irmã mortos", diz.

O administrador do cemitério, João Fernandes Coelho Silva, lembra que Alves pertencia a uma família conhecida da cidade, mas, depois de perder os pais, os parentes mais próximos o deixaram de lado. "Era um bom trabalhador. Ele esteve na construção da Rodoviária e de outros prédios públicos da cidade", diz Silva, que conhece a vida do "inquilino". "Ele tem mais de 20 anos de carteira de trabalho assinada."Silva afirma que procurou uma forma de retirar o pedreiro do cemitério temendo pela sua própria saúde. No entanto, o entendimento do Poder Público é de que o jazigo é particular, por isso, ele pode permanecer no espaço. "Lá é insalubre e, durante à noite, vive cheio de baratas, só que ele insiste em ficar", destaca o administrador do cemitério inaugurado em outubro de 1894.

Alves, por sua vez, não se preocupa com as baratas que percorrem a sepultura. "A Prefeitura até dedetizou aqui pra mim", diverte-se o pedreiro enquanto acende um cigarro. Dentro do tumulo, ele mantém um colchão fino, um travesseiro, dois cobertores, um tênis surrado e algumas poucas peças de roupa. "Isso aqui eu ganho do pessoal." Mas e a comida? Seu Nelson, como também é chamado, logo emenda: "Tem uma vizinha aqui do lado que me dá comida. Já até levei minha marmitinha pra ela."

O pedreiro criou um mundo particular dentro do cemitério de Jaú. À noite, quando o portão se fecha, corre até um tanque e toma banho. A roupa é lavada no mesmo local. Apesar da iluminação restrita, não teme ficar sozinho do jazigo. "Tá todo mundo morto, não tem problema não. Quando está calor eu até coloco o colchão aqui fora", exemplifica o morador do jazigo, apontando para o corredor entre os túmulos.

Visitando o cemitério, o desempregado José Carlos Oliveira, 51 anos, lembra que o pedreiro virou quase uma "atração turística" da cidade. "Tem gente que vem aqui só pra conhecer o cara que mora dentro do túmulo", brinca. Alves, inclusive, não fica intimidado em contar sobre sua vida e sentencia: "Já trabalhei muito na minha vida e não deu em nada. Agora, vou ficar aqui dormindo no túmulo, esperando a minha hora e tomando minha pinguinha."